‘Não precisa passar as coisas de baciada. Pega mal pro agro’

| BRASILAGRO


'Estamos nos transformando em um pária. Nossa imagem nunca esteve tão mal. Precisamos identificar como sair desse buraco que cavamos', diz Marcello Brito, presidente da Abag sobre fala de Ricardo Salles de 'passar a boiada' e o apoio de entidades do setor.
O anúncio de uma página inteira no Estadão e no jornal Folha de S. Paulo na última terça-feira, 26, de entidades do agronegócio, da indústria, da construção civil e do comércio em apoio ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não caiu bem no agronegócio e pode ter tido um efeito contrário ao desejado.

A opinião é de Marcello Brito, presidente da presidente da Associação Brasileira de Agronegócio (Abag), entidade que não assinou a nota. Com o título “No meio ambiente, a burocracia também devasta”, foi uma resposta a outro anúncio, também de uma página nos principais jornais do País, publicado no domingo por organizações ambientalistas. Elas pediam a saída de Salles do ministério em razão de suas falas na reunião ministerial do dia 22 de abril.

Na ocasião, como revelado na divulgação do vídeo da reunião há uma semana, Salles declarou que é preciso aproveitar a “oportunidade” que o governo federal ganha com a pandemia do novo coronavírus para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas”. Segundo Salles, a cobertura da imprensa focada na covid-19 daria “um pouco de alívio” para a adoção de reformas infralegais de regulamentação e simplificação.

 

Ele também afirmou que era “hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação… de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”.

As ONGs Greenpeace, WWF, SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental, ClimaInfo e Observatório do Clima disseram em seu anúncio que, para o ministro, “mais de 20 mil mortos são uma oportunidade” e pediram a saída de Salles.

Dois dias depois, entidades setoriais de agricultura, da construção civil, de comércio e indústria disseram que condenavam “a agenda burocrática que utiliza a bandeira ambiental como instrumento para o travamento ideológico e irrazoável de atividades econômicas cunpridoras das leis e essenciais ao desenvolvimento do País”. E declaram apoio às ações de Salles.

O anúncio recebeu uma enxurrada de críticas. Empresas representadas por algumas das entidades signatárias, como Avon, Natura, Beach Park e até Turma da Mônica disseram não concordar com as declarações nem com o endosso. A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec) acabou retirando seu apoio.

Em entrevista ao Estadão, Brito, que também é cofacilitador da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, disse que a “questão da desburocratização é pauta há 30 anos”, mas que não deve ser da forma exposta por Salles. “Não precisa passar coisas de baciada. Pegou mal. Pega mal pro agro. E veja bem. Não era a ministra da Agricultura que estava falando, era o ministro do Meio Ambiente. Tem um processo meio maluco nisso aí.”

Sobre os anúncios, ele criticou as duas partes, e afirmou que o resultado foi ruim para o setor. O líder do agronegócio também se manifestou contrário a uma votação, em meio a pandemia, de um projeto de lei sobre regularização fundiária. O texto foi transformado em PL depois que a MP-910 não foi votada no Congresso. Confira a seguir:

Como o anúncio de entidades apoiando o ministro Ricardo Salles caiu no meio do agronegócio?
O vídeo da reunião expôs muita coisa que teoricamente nunca seria exposta. Até aí, paciência, foi uma decisão judicial e aconteceu. Mas os fatos que ocorreram no pós é que que são lamentáveis. Não dá pra querer transformar narrativas que são tão claras… A questão de desburocratização é a pauta há 30 anos. Tem 30 anos que a gente discute que precisa desburocratizar e tudo o mais. Agora: é daquela forma? Não é daquela forma. Nós mudamos a previdência de forma transparente. Quase todo o regramento do INSS mudou, mas foi tudo transparente, de forma clara. Não precisa passar as coisas de baciada. Então pegou mal. Pega mal pro agro. E veja bem. Não era a ministra da Agricultura que estava falando, era o ministro do Meio Ambiente. Tem um processo meio maluco nisso aí. Mas quando se olha a nota, o que tem ali é basicamente o setor de construção civil e imobiliário que está dando apoio. Nacional do agro, de relevância, tem lá Aprosoja, Abrafrigo (dos frigoríficos), Abrafrutas e SRB (Sociedade Rural Brasileira). E a Única (cana-de-açúcar).

E a CNA?
Eu não vou considerar a CNA (Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil)… Porque CNA, CNI (indústria), CNS (serviços) e CNC (comércio de bens, serviços e turismo) são confederações tocadas com dinheiro de renúncia fiscal do governo. De forma geral, pelo menos nos meus 56 anos, eu nunca vi nenhuma dessas confederações contrárias a qualquer posição de governo ora no poder. Acho até despropositado que façam esse tipo de coisa.

Qual é o impacto?
Acho que temos de transformar do limão uma limonada. Acho que o resultado dessa nota obteve o contrário que a nota esperava. O resultado foi ruim para as associações que se dispuseram a assinar e para as empresas que fazem parte dessas associações. Deu um sentimento, eu acredito que vamos ver no decorrer dos próximos meses, um sentimento de mudança de postura nas próprias associações representativas do setor. Isso nos relembrou que somos associações e representações de defesa do setor no que tange às leis e às relações comerciais e sociais. Não cabe às associações entraram em embate político ou em apoio a esse ou àquele governo. A Abag em toda a sua história manteve essa posição, nós somos apoiadores do agronegócio legal, moderno, contemporâneo, e discutimos com todos os governo a melhoria deles. Razão pela qual não assinamos a nota.

Vocês foram procurados?
Sim. De tudo isso, acho que o contexto geral da representação do agronegócio sai mais fortalecido do que antes.

Por causa de quem não assinou?
Isso mesmo. Acho que a nota diz muito mais por quem não assinou do que por quem assinou. A assinatura da SRB provocou um racha lá dentro. A Única e Aprosoja são alinhadíssimas com esse governo desde o começo. Então não causa surpresa nem estranheza a ninguém. A Abrafrigo também sempre teve esse alinhamento. Dos 10 produtos em que o Brasil está entre os top 3 do mundo de produção e exportação só tem a Única e a Aprosoja assinando a nota. Abiec (das indústrias exportadoras) não está lá, ABPA (proteína animal), Abag, Cecafé (exportadores de café), BR-Citrus (exportadores de sucos cítricos). Essa guerra de narrativas, por publicações em jornais, é algo tão de propaganda… como os dois lados fizeram. É algo que não deveria mais estar acontecendo em 2020.

Você se refere também ao anúncio das ONGs pedindo a saída de Salles?
Acho que os dois lados. Acho lamentável que o Brasil esteja nesse momento passando por um momento tão sectário e tão dividido. Acho que está na hora de as grandes empresas, de os grandes nomes desse País, de as grandes associações sentarem com maturidade, analisar o quadro e repensar como estamos tratando nosso País. Estamos quase nos transformando em um pária internacional. Nossa imagem nunca esteve tão mal. Levamos décadas para montar uma boa imagem e leva dois minutos para destruí-la. Precisamos identificar como sair desse buraco que nós mesmos cavamos.

Considerando o momento, o que o senhor acha da MP-910, que agora é projeto de lei? A regularização fundiária é um tema importante para o setor, mas o sr. acha que é hora de discutir isso em meio à pandemia?
Começamos essa negociação em cima de um relatório muito ruim, a MP que foi lançada. De dezembro até o dia em que a MP foi à votação, havia se construído um texto muito bom. Que nós inclusive apoiamos. Mas durante esse processo, a narrativa que foi criada de chamá-la de “MP da grilagem”, mesmo com a construção positiva que foi feita, chegou a um ponto que não tinha mais como explicar para os stakeholders que tinha melhorado e era bom. O processo não foi adequado. Um assunto tão importante como regularização fundiária tem de ser tratado não só com a perspectiva das terras privadas. Tem de tratar também da questão das áreas não destinadas e das terras indígenas. O contexto tem de ser completo. Não adianta regularizar alguém que seja vizinho de uma área não-destinada, porque ela vai ser invadida se ela não tiver um destino bem definido. Isso deveria ter sido tratado através de projeto de lei, com ampla discussão pela sociedade.

Era para beneficiar os pequenos?
Alegou-se muito que era para beneficiar os pequenos, mas desde uma lei aprovada no governo Temer em 2018, já era possível fazer a regularização fundiária dos pequenos, de até quatro módulos fiscais, por sensoriamento remoto. Se desde 2018 já é possível, por que não foi feito até o momento nada. Por que precisava dessa MP? Dentro de um contexto de 150 mil propriedades, criou-se um imbróglio, uma briga de facções dentro da sociedade brasileira. Eles já podem ser contemplados pela lei que estava funcionando. A pergunta é: por que o Incra nesses 16 meses deste governo e no último ano do governo Temer não fez a regularização desses pequenos produtores por sensoriamento remoto? Por que precisamos de mais uma lei para o Incra funcionar? Agora, uma coisa é certa. Não vai haver desenvolvimento sustentável da Amazônia sem regularização fundiária. Mas tem de tratar isso como um todo. Olhar holisticamente a situação da Amazônia, discutir o uso da terra. Em 2020, o Brasil ainda não teve uma discussão séria sobre o uso da terra. E isso cabe num projeto de lei, não numa MP. A forma foi errada e o momento foi muito errado – se bem que foi lançado em dezembro, não se sabia que ia chegar uma pandemia. Mas mentes maduras deveriam saber que tema tão importante não deveria ser feito por votação remota, sem a devida discussão. Quero acreditar que o bom senso virá, esse PL não será votado agora e será passado por um processo de discussão mais amplo, principalmente nesses pontos sobre uso da terra, destinação das áreas não destinadas. São assuntos que estão sendo olhados pelo Conselho da Amazônia. General Mourão tem tocado assunto, já falou na renegociação para retorno do Fundo Amazônia. Ter mais recursos para tocar, de forma mais célere e mais aprimorada na Amazônia. Efetivamente o Brasil não tem dinheiro para aparelhar e modernizar as agências que fazem o controle do que seria o desenvolvimento da Amazônia, como Incra, Ibama e ICMBio.

O que o sr. achou de ele tirar o ministro Ricardo Salles do conselho do Fundo Amazônia?
Olha, se você está negociando uma nova linha, uma nova visão, a visão do Salles era de não utilizar e não ter parcerias com o Fundo Amazônia. Se o Mourão assumiu esse processo e a visão dele é diferente, como o próprio Salles diz quando faz modificações dentro do Ministério do Meio Ambiente, nada mais normal que o Mourão faça isso tb já que agora é ele que comanda o jogo e é quem define como as coisas vão ser feitas (O Estado de S.Paulo, 30/5/20)




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